'Este
é o momento de abandonar o teto de gastos'
É só olhar para
fora, o cenário mudou. As pessoas precisam entender que a realidade é outra e,
sem mudar a política econômica, o Brasil, que já está fragilizado, pode sofrer
ainda mais.
O País já está no pior dos mundos, de dólar alto e crescimento
baixo.
O
governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar a agenda de
reformas por uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura.”
Entrevista com Monica de Bolle,
economista
Douglas Gavras , O Estado de S.
Paulo - 09
de março de 2020 | 18h41
A
perspectiva de uma crise global deve obrigar o governo brasileiro a reavaliar
sua política econômica: com a suspensão do teto de gastos e a volta do
investimento público, para evitar que o Brasil volte a entrar em recessão,
avalia Monica de Bolle, pesquisadora sênior em Washington do Peterson Institute
for International Economics, nos Estados Unidos.
Nesta
segunda-feira, 9, a Bolsa brasileira fechou em queda de 12,17%,
aos 86.067,20 pontos, a maior queda diária, em porcentual, do Ibovespa desde
setembro de 1998. O dia foi de caos nos mercados financeiros globais, com o
avanço da crise do coronavírus e a queda no preço do petróleo.
Para
a economista brasileira, o governo precisa reconhecer que o cenário econômico
mudou e trocar a agenda de reformas por uma agenda de investimentos públicos em
infraestrutura. "Alguns investimentos podem começar imediatamente. É
preciso deixar a ideologia de lado."
Há algum sinal de que essa crise possa durar pouco?
Não
vai melhorar tão cedo, a coisa tende a ficar tensa por um bom tempo. A questão
do petróleo é pontual e afeta o Brasil, mas a crise sanitária é mais grave do
que se pensava. A situação atual é muito diferente das crises tradicionais. Em
uma crise tradicional, a gente conhece as políticas econômicas necessárias para
combater. Em 2008, por exemplo, a resposta foi dar estímulo monetário e fiscal.
Isso teve o efeito de apagar incêndio e o de dar sustentação econômica. Agora,
a política econômica não tem papel no apagar do incêndio. E só os médicos e
cientistas podem fazer alguma coisa a respeito, para frear o número de novos
casos.
O governo pode agir para limitar os impactos na economia?
A
maneira como a epidemia vem sendo tratada no Brasil e no resto do mundo é um
desserviço tremendo. Tanto é, que o número de casos está subindo muito nos
países afetados. Diante desse quadro, temos uma crise duradoura e a resposta de
política econômica tem espaço limitado. Dá para fazer estímulos monetários e
fiscais, mas enquanto a epidemia perdurar o efeito é limitado. Ajuda, mas não
resolve.
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil do ano passado foi uma decepção:
cresceu 1,1%, quando as previsões iniciais eram de pelo menos 2,5%. Agora, com
a economia mundial desacelerando, a previsão é de um 2020 difícil. Então, como
fazer para que a economia responda?
Não
agir é a pior escolha. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda
que é preciso pensar em estímulos. No Brasil, o governo está obcecado em manter
uma agenda de reformas, de médio e longo prazos, quando o momento é de pensar
em como responder a essa crise. É preciso começar a desenhar medidas, deixar as
reformas de lado e focar no que é preciso fazer para que o Brasil não entre em
recessão.
O que é preciso fazer agora para evitar a recessão?
Suspender
ou até eliminar o teto de gastos.
A maneira como ele foi desenhado foi
equivocada, a gente fez um teto rígido, que não permite que na hora em que
precisar de uma medida anticíclica e não permite fazer. Este é o momento de
abandonar o teto de gastos, que já tinha um desenho equivocado desde o início.
E não é de hoje que eu aponto isso.
O mercado não reagiria ainda pior, caso o teto de gastos fosse suspenso?
Isso
é uma bobagem. Agora é um momento de crise. É só olhar para fora, o cenário
mudou. As pessoas precisam entender que a realidade é outra e, sem mudar a
política econômica, o Brasil, que já está fragilizado, pode sofrer ainda mais.
O País já está no pior dos mundos, de dólar alto e crescimento baixo.
Prosseguir com o corte de juros não é suficiente, certo?
Na
área monetária, a taxa de juros está baixa e sem pressão inflacionária. É um
quadro sustentável, que nos abriu espaço. A dinâmica da dívida pública está
melhor. Isso não é um problema, ajudou o País a abrir um espaço fiscal, que é
pequeno, mas que precisa ser usado agora. O momento é de pensar que tipo de
gasto público e estímulo fiscal podem ser feitos. Eu acho que a medida mais
eficiente é aumentar o investimento público, principalmente em
infraestrutura.
Seria preciso trocar o remédio de contenção de gastos públicos e de foco
nas reformas, aplicado nos últimos quatro anos?
O
governo precisa trocar a agenda de reformas por uma agenda de infraestrutura.
Alguns investimentos podem começar imediatamente. Há um grande número de
concessões paradas e tudo isso terá de avançar. E o governo vai ter de deixar a
ideologia de lado e voltar a envolver o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) nesses investimentos. Não adianta ficar demonizando
o banco.
Há uma série de crises na relação entre o Planalto e o Legislativo. O
clima político no Brasil permite que essas medidas emergenciais sejam
aprovadas?
É
complicado. Uma pessoa que está claramente com a cabeça no lugar certo é o
(presidente da Câmara dos Deputados) Rodrigo Maia. Ele percebe a gravidade da
situação e sabe o que precisa ser feito no curto prazo. O governo tem de parar
de falar bobagem e começar a trabalhar com seriedade. Se a melhor proposta de
ação vier do Congresso, que assim seja.
QUE ASSIM SEJA!
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