Renúncia é melhor que Impeachment
Para quem não sabe, Maria Cristina Fernandes é a melhor jornalista do Valor e uma das melhores do Brasil.
Vivemos mais uma grave crise de governabilidade no Brasil. Temos um pouco de legalidade e nenhuma legitimidade. Até os pentecostais estão calados...
Qual deve ser a prioridade: Salvar o Brasil e seu povo, ou salvar o mandato de louco paranoico? Substituir um paranoico por um psicopata também não resolve.
O ideal é uma renúncia coletiva com a convocação de uma nova eleição presidencial como os argentinos fizeram na época de De la Rua... Assim Mourão não assume. É preciso construir uma solução provisória onde alguém tipo Maia possa assumir até baixar a poeira da pandemia, salvando o povo brasileiro, nossa economia e nossa autoestima...
Ser pobre, democrata e com dignidade, é bem melhor do que pobre, vassalo de Trump, o povo morrendo, a economia parada e ainda ter que ouvir um monte de besteira deste presidente maluco...
Vejam a bela matéria ou o belo artigo de Cristina.
A carta da
renúncia
A
costura de uma renúncia, como saída,
passa pela anistia aos filhos
Valor - 26/03/2020 05h00 -
Por Maria
Cristina Fernandes
A tese do afastamento do presidente
viralizou nas instituições. O combate à pandemia já havia unido o país, do
plenário virtual do Congresso Nacional ao toque de recolher das favelas. Com o
pronunciamento em rede nacional, o presidente conseguiu convencer os
recalcitrantes de que hoje é um empecilho para a batalha pela saúde da nação.
Se contorná-lo já não basta, ainda
não se sabe como será possível tirá-lo do caminho e, mais ainda, que rumo dar
ao poder em tempos de pandemia. A seguir a cartilha do presidiário Eduardo
Cunha, seu afastamento apenas se dará quando se encontrar esta solução. E esta
não se resume a Hamilton Mourão.
Ao desafiar a unanimidade nacional,
no uniforme de vítima de poderes que não lhe deixam agir para salvar a
economia, Bolsonaro já sabia que não teria o endosso das Forças Armadas para
uma aventura que extrapole a Constituição. Era o que precisaria fazer para
flexibilizar as regras de confinamento adotadas nos Estados.
Duas horas antes do pronunciamento
presidencial, o Exército colocou em suas redes sociais o vídeo do comandante
Edson Leal Pujol mostrando que a farda hoje está a serviço da mobilização
nacional contra o coronavírus.
Saída a ser costurada passa
pela anistia aos filhos
Pujol falou como comandante de uma
corporação que tem a massa de seus recrutas originários das comunidades mais
pobres do país, hoje o foco de disseminação mais preocupante para as
autoridades sanitárias. Disse que agirá sob a coordenação do Ministério da
Defesa. Em nenhum momento pronunciou o presidente.
Moveu-se pela percepção de que uma
tropa aquartelada hoje é mais segura que uma tropa solta. Na mão inversa do
trem desgovernado do discurso presidencial daquela noite.
Quando já estava claro que descartara
o papel de guarda pretoriana, Pujol reforçou a importância do combate ao
coronavírus: “Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. Vinte e
quatro horas depois, o vídeo ultrapassava 500 mil visualizações, mais do que o
dobro do efetivo do Exército.
O distanciamento contaminou os
ministros militares com assento no Palácio do Planalto. “Não quero ter minha
digital nisso”, comentou um deles ao perceber o rumo provocativo que o
pronunciamento da noite de quarta-feira teria. Deixou o Palácio antes da
gravação, conduzida sob o comando dos filhos e da milícia digital do
bolsonarismo.
A insistência do presidente na tese
esticou a corda com os governadores e com o Congresso, que amanheceu na
quarta-feira colocando pilha na saída do ministro Luiz Henrique Mandetta. A
pressão atingiu o pico do dia com o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo
Caiado (DEM), com o presidente. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, presença
mais frequente, entre seus pares, nas solenidades do Palácio do Planalto,
Caiado foi um dos principais padrinhos de Mandetta, um deputado do Mato Grosso
do Sul que não disputou em outubro de 2018 porque temia não se reeleger.
O ministro negaria a demissão num
entrevista em que citou Caiado, mas não Bolsonaro.
O Congresso mantinha a aposta na
saída de Mandetta como mais um tapume no isolamento do presidente quando João
Doria, na reunião de governadores com o presidente, partiu para o confronto. O
discurso de palanque do governador de São Paulo não é unanimidade entre os
envolvidos em busca de uma solução de consenso, especialmente os da farda, mas
sua ação deliberada para levar os governadores a recusar interlocução com o
presidente, caiu como uma luva para a estratégia de levar Bolsonaro ao limite
do isolamento.
Para viabilizar o enfrentamento dos
governadores, o Congresso busca meios de manter o acesso dos Estados a recursos
com os quais possam manter suas políticas de combate à doença, hoje confrontadas
pelo Planalto. O pronunciamento acabou por frear a proposta de emenda
constitucional com a qual se pretendia criar um orçamento paralelo para
viabilizar as ações de Bolsonaro no combate à pandemia e calar a tecla com a
qual o presidente se diz impedido de agir pelo Congresso. Cogitou-se até
incluir nesta PEC instrumentos com os quais Bolsonaro poderia ter mais poderes
sobre o confinamento e o confisco de insumos hospitalares, como meio de evitar
o Estado de Sítio.
Ainda que Bolsonaro hoje não tenha
nem 10% dos votos em plenário, um processo de impeachment ainda é de difícil de
viabilidade. Motivos não faltariam.
Os parlamentares dizem que Bolsonaro,
assim como a ex-presidente Dilma Rousseff, já não governa. Se uma caiu sob
alegação de que teria infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal, o outro
teria infrações em série contra uma “lei de responsabilidade social”. Permanece
sem solução, porém, o déficit de legitimidade de um impeachment em plenário
virtual.
Vem daí a solução que ganha corpo,
até nos meios militares, de uma saída do presidente por renúncia.
O problema é convencê-lo. A troco de
que entregaria um mandato conquistado nas urnas? O bem mais valioso que o
presidente tem hoje é a liberdade dos filhos. Esta é a moeda em jogo. Renúncia
em troca de anistia à toda tabuada: 01, 02 e 03. Foi assim que Boris Yeltsin,
na Rússia, foi convencido a sair, alegam os defensores da solução.
Não faltam pedras no caminho.
A primeira é que não há anistia para
uma condenação inexistente. A segunda é que ao fazê-lo, a legião de condenados
da Lava-Jato entraria na fila da isonomia, sob a alcunha de um “Pacto de
Moncloa” tupiniquim. A terceira é que o Judiciário, agastado com o bordão que
viabilizou o impeachment de Dilma (“Com Supremo com tudo”), resistiria a embarcar.
E finalmente, a quarta: Quem teria hoje autoridade para convencer o presidente?
Cogita-se, à sua revelia, dos generais envolvidos na intervenção do Rio, PhDs
em milícia.
A única razão para se continuar nesta
pedreira é que, por ora, não há outra saída. Na hipótese de se viabilizar, o
capitão pode estar a caminho de encerrar sua carreira política como começou.
Condenado por ter atentado contra o
decoro, a disciplina e a ética da carreira militar, Bolsonaro foi absolvido em
segunda instância. Em “O cadete e o capitão” (Todavia, 2019), Luiz Maklouff,
esboça a tese de que a absolvição foi a saída encontrada para o capitão deixar
a corporação. Em seguida, o Bolsonaro disputaria seu primeiro mandato como
vereador no Rio.
Trinta e quatro anos depois, a borracha
está de volta para esfumaçar o passado. Desta vez, com o intuito de tirá-lo da
política.
Maria Cristina Fernandes é
jornalista do “Valor”. Escreve às quintas-feiras
E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br
E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br
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