Ditaduras, caos e guerras sujas
O jornalista da Folha, Clovis Rossi, apresenta um artigo
interessante sobre a guerra que os Estados Unidos começaram com a invasão do
Iraque e que se espalhou por todo Oriente Médio e áreas muçulmanas. Pena que
Rossi não diga que a Folha e a imprensa
brasileira apoiaram a posição dos Estados Unidos. Mas isto não desmerece o
artigo.
Ele aborda, entre outras coisas, as diferenças entre viver
sob ditaduras, caos/anarquia ou guerras sujas como a que os países estão
passando.
Enfim, antes tarde do que nunca. Um dia também veremos a
Folha fazer autocritica em relação ao golpe do impeachment contra Dilma.
Leiam o bom artigo de Clovis Rossi.
Até que Saddam não era tão ruim
Folha - 07/07/2016 02h00
CLOVIS ROSSI
Diz a lenda que o
chamado "chanceler de ferro" Otto Von Bismarck (1815-1898) cunhou a
seguinte frase: "Leis são como salsichas; é melhor não saber como são
feitas."
O relatório de
"sir" John Chilcot sobre o papel do Reino Unido na invasão do Iraque
indica também que é melhor não saber como são tomadas decisões absolutamente
relevantes —a de ir à guerra, por exemplo.
Foi um erro do
começo ao fim, demonstra o relatório.
Um erro que acaba sendo o resgate
implícito do papel da ONU, essa instituição tão criticada por sua inação.
É razoável supor
que, se a decisão de invadir o Iraque tivesse sido submetida à ONU —como manda,
de resto, a legalidade internacional—, talvez pudessem ter sido evitados ao
menos alguns dos erros apontados pelo relatório Chilcot.
Talvez se pudesse
até ter evitado a guerra, que, como se viu depois, criou mais problemas do que
resolveu, ao livrar o mundo de um tirano abjeto como Saddam Hussein.
O maior dos erros,
se o olhar se voltar para o presente e o futuro, não para o passado, é o fato
de que os planos do pós-guerra no Iraque foram "completamente
inadequados".
Uma das
consequências inexoráveis: o pós-guerra reabilitou a ditadura, como aponta Ben
Wederman, da emissora americana CNN:
"Muitos amigos
iraquianos se lembram dos velhos bons tempos de Saddam Hussein, quando
atentados terroristas eram raros, (...) quando se podia viajar a praticamente
todas as partes em Bagdá ou no Iraque, sem medo de ser alvejado ou sequestrado
ou decapitado. Não havia liberdade de expressão, não havia democracia. A regra
com que governava Saddam era o medo, mas ao menos havia uma regra. Quando você
experimenta a anarquia, a ditadura não parece tão ruim".
Pois é, uma guerra
mal planejada, mal executada e que não pensa no pós-guerra, apenas troca uma
ditadura pela anarquia.
Ou pior: a anarquia
abre espaço para uma versão ainda mais terrível do terrorismo do que a velha Al
Qaeda, que se pretendia eliminar com a invasão do Iraque.
Diz o relatório
Chilcot: "Entre 2003 e 2009, eventos no Iraque minaram a estabilidade
regional, inclusive por abrir espaço para a Al Qaeda operar e por deixar
inseguras as fronteiras através das quais seus membros podem se mover."
Completa o
colunista David Gardner, do jornal "Financial Times":
"Um resultado
do Iraque é o Estado Islâmico, uma repetição ainda mais selvagem da Al Qaeda,
como vemos continuamente não somente em Raqqa e Mossul [tomadas pelo EI], mas
de Dacca a Medina ou de Istambul a Bruxelas; há ainda carnificinas repetidas em
Bagdá" [para relacionar apenas algumas das cidades atingidas mais recentemente
por atentados reivindicados pelo Estado Islâmico ou atribuídos a ele].
Se o EI é um legado
da guerra, cria-se um problema permanente para o mundo, a julgar pelo que disse
ao jornal "Times of Israel" Shadi Hamid (Brookings Institution):
"O EI
estabeleceu um padrão de ouro para grupos extremistas. Eles não só explodem
coisas, eles também capturam território e, então, impõem seu modelo de
governo".
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