Vejam que bela matéria saiu na imprensa alemã.
Do alto do morro, outra visão
dos protestos
Deutsche Welle
http://m.dw.com/pt/do-alto-do-morro-outra-vis%C3%A3o-dos-protestos/a-19116649
Moradores de comunidade em Copacabana não escondem
ponta de decepção com governo e medo da atual crise. Mas ainda são poucos os
que veem motivo para descer e se juntar às manifestações contra Dilma.
Apenas 500 metros separam a rua Saint Roman,
principal acesso à comunidade do Pavão-Pavãozinho, da praia de Copacabana. Mas,
mesmo diante de um futuro de incertezas, foi lá do alto do morro, de onde se
tem uma vista privilegiada do mar, que a maioria dos moradores acompanhou a
manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff no último domingo
(13/03).
A crise política divide a comunidade de cerca de 20
mil pessoas na zona sul do Rio de Janeiro. Nos bares, frequentadores fazem
questão de acompanhar pela TV as últimas notícias. E ainda que o assunto seja
recorrente nas rodas de conversa em escadarias e vielas, poucos viram motivo
para descer e se juntar aos manifestantes. Entre as razões, a crença de que a
corrupção é maior do que o Partido dos Trabalhadores (PT) e os governos de
Dilma, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
A comunidade foi pacificada em 2009, mas ainda
sofre com as obras incompletas prometidas pelo Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) em 2008. O destino dos 43 milhões de reais previstos em
obras, os moradores desconhecem. Por ali, ainda faltam investimentos em
mobilidade e serviços básicos, como saneamento e rede de energia elétrica.
Mas, apesar de uma ponta de ressentimento com o
governo federal, gente como a operadora de caixa Maria de Lurdes Silva, de 44
anos, acredita que os problemas do Pavão-Pavãozinho e do Brasil são fruto de
uma corrupção que assola o país bem antes da chegada do PT ao poder, em 2002.
No domingo, ela preferiu ficar em casa. E garante que a maioria dos vizinhos
também. Para ela, as manifestações são "uma burrice sem tamanho".
"Vão tirar a Dilma e colocar quem no lugar?
Ela está sendo usada como bode expiatório. Todo mundo rouba no Brasil, e até
acho que o Lula tenha roubado também. Quem não? Mas o governo dele melhorou a
vida dos pobres. Quando o Fernando Henrique governou, roubou também. O problema
foi causado porque o Lula não conseguiu colocar rédeas na roubalheira",
argumenta Maria de Lurdes.
"Todos têm as
mãos sujas"
Os laços do Pavão-Pavãozinho com a política são
antigos. Na década de 1960, enquanto havia uma política de remoção em outras
favelas da zona sul, empreendida pelo então governador Carlos Lacerda, a
comunidade ganhou suas primeiras obras de urbanização, com melhorias nas
escadarias e no abastecimento de água. Em 1984, no primeiro mandato de Leonel
Brizola no governo do estado do Rio de Janeiro (1983-1987), foram realizadas
algumas obras de urbanização, como a implantação de um plano inclinado no
Pavão-Pavãozinho.
Moradores como o motorista Carlos Alberto da Silva,
de 52 anos, lembram bem disso. Desempregado, ele faz bicos vendendo chinelos
para sobreviver, se diz descontente com a corrupção, mas acredita que destituir
a presidente não é solução para a crise.
"Eu preferi ir à igreja no domingo. Aqui todo
mundo sempre votou no Brizola, ele vinha aqui e passava o dia, sentava,
conversava com todos no bar. Depois, votamos no PT. Eu votei na Dilma e estou
muito decepcionado, mas ela foi eleita e tem de terminar o trabalho. A vida
mudou nos últimos anos para melhor, apesar de eu estar desempregado há seis
meses. Se a Dilma e o Lula roubaram, terão de pagar pelos erros", avalia.
Em 2012, um estudo socioeconômico de 16 comunidades
pacificadas do Rio feito pela Firjan indicava que o Pavão-Pavãozinho tinha a
maior renda per capita (755 reais) e a segunda menor taxa de desemprego (5%).
Mas, apesar de ter quatro escolas municipais e uma creche, registrava, ainda, a
terceira pior escolaridade média entre pessoas com 25 anos ou mais –apenas 5,9
anos de estudo.
"Se você tem a tal da elite branca que faz o protesto,
você ainda permite o governo sustentar essa narrativa de que o protesto é choro
de perdedor. Isso está ficando cada vez menos sustentável. Você já tem,
inclusive em classes com menos dinheiro e educação, algum nível de consenso
pela responsabilidade da presidente e do partido dela pela crise", opina o
cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.
E quem tem medo de que a crise piore ainda mais,
achou melhor ficar longe dos protestos, como Cátia Maria Marcelino, de 33 anos.
Dona de uma loja de roupas e acessórios num beco da comunidade, ela se diz
preocupada com a queda no movimento e teme um retrocesso econômico ainda maior.
Segundo ela, derrubar a presidente sem alternativas concretas é "absurdo e
perigoso".
"O problema é que todos os partidos têm as
mãos sujas. O que precisam fazer é continuar investigando e punir quem rouba.
Se tirar a Dilma, entra o vice dela, que é corrupto. Se não for ele, tem o
[presidente da Câmara] Eduardo Cunha, que é corrupto. Sobra quem? O PSDB e o
PMDB, que também estão cheios de suspeitas? Esses dois aí só pensam em ajudar
os ricos. Tenho a sensação de que estamos andando para trás", lamenta
Cátia.
"Todos os
ricos foram"
Opinião semelhante tem o porteiro Manuel, de 40
anos. Morador do alto do morro, ele trabalha num edifício à beira-mar. Ele
estava trabalhando no domingo, mas garante que, mesmo se tivesse tempo, não
iria para as ruas porque "só havia ricos protestando".
"Eu via no prédio onde trabalho. Todos os
ricos foram. E rico não gosta do PT e de pobre. Rico só gosta do trabalho dos
pobres. Não podemos confiar em quem defende os ricos. Votei no Lula, na Dilma
e, se ele se candidatar em 2018, voto nele de novo. Pelo menos, eles pensam na
gente. Dilma foi eleita e tem que ficar. Só não sei se ela vai ter força, esse
negócio está muito embaraçado", opina Manoel, pedindo para não ter o
sobrenome revelado.
Segundo o cientista político Valeriano Costa,
pesquisador da Unicamp, o não comparecimento das classes sociais mais baixas
aos protestos se explica. Além da desconfiança quanto ao que está sendo
discutido, o discurso dos organizadores não é dirigido aos interesses e
preocupações dessa camada da população.
"Por exatamente serem pessoas que têm questões
básicas de sobrevivência, elas têm, primeiro, um medo muito grande de perder o
que ganharam. Não é sobre questões sociais e políticas públicas que está se
falando nas manifestações, mas sobre um tema que toca diretamente uma classe
média que, na verdade, se considera a grande vítima do Estado, do imposto de renda
alto, das políticas sociais pesadas", observa.
Para Jacinto Pedro da Costa, de 42 anos, protestar
não adianta nada. Ele votou no PT nas últimas eleições e, decepcionado, diz que
não pretende repetir a escolha. Nascido e criado no Pavão-Pavãozinho, ele se
diz apartidário e promete pesquisar muito bem antes de decidir em quem votar no
futuro. Mas, ele acredita ser injusto atribuir somente ao PT os problemas do
país. E arrisca: se outros partidos fossem melhores, trabalhariam juntos por
uma reforma política.
"Existem empresários ricos que não querem só
derrubar a Dilma, mas querem acabar com o PT. Não é justo, mesmo que tenham
cometido erros. Por causa do PT consegui abrir minha primeira conta em banco,
consegui crédito para comprar as coisas e colocar mais comida dentro de casa. A
corrupção fez os poderosos de todos os partidos se misturarem", queixa-se
Costa, porteiro de um edifício na vizinhança.
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