Pimenta nos olhos dos outros é refresco
Com o fim da guerra fria, o uso do maniqueísmo, onde o
culpado é sempre o outro, fica mais complexo. O mundo deixou o embate entre ser
capitalista ou comunista. O único modelo econômico vigente é o capitalista. Com
pequenas variações. Mudaram os discursos e as aparências. Já não cabe o
discurso da guerra bélica. Surgiu a necessidade de um novo tipo de “combate”.
Aparentemente a direita ficou democrata neoliberal e a esquerda ficou
social democrata.
Antigamente as forças políticas eram facilmente
identificadas em seus diversos segmentos: 1 – extrema direita (Fascistas); 2 –
direita (agronegócio, grande comércio e finanças); 3 – centro direita
(Burocracia do Estado e Pequenas e Médias Empresas); 4 – centro (Acadêmicos, Funcionalismo
Público e Religiosos); 5 – centro esquerda (Sociais democratas); 6 – esquerda
(Socialistas); e 7 – extrema esquerda (Comunistas e Trotskistas). Aparentemente
acabou a polaridade. A principal consequência do fim da identidade partidária é
a fragilização da democracia. O povo tem que escolher entre candidatos e governos
que geram empregos e candidatos e governos que não conseguem gerir e manter
empregos. É como se a ideologia e os projetos deixassem de existir. Ledo
engano...
O mundo está passando por um período de guerras pulverizadas,
por transições de hegemonias regionais, onde a Alemanha, a China e a Rússia
conseguem fazer algum contrapeso ao poderio econômico e militar dos Estados
Unidos, e os demais países tentam sobreviver dentro do possível. Como no século
19, as disputas aparecem mais nas periferias, onde se disputa acesso aos
recursos naturais e aos mercados consumidores. Assim, o Oriente Médio, a
África, a Ásia, o Leste Europeu e a América Latina transformam-se em palcos de
disputas armadas ou não. A guerra aberta só chega aos países principais mais
tarde, como foi na Primeira Guerra Mundial, que provocou também a Segunda. O mundo está sendo redesenhado... O Século
21 ainda são se definiu.
O Brasil e a América
Latina também fazem parte desta guerra, só não sabiam o nome dela
A América Latina vinha tendo um grande avanço dos setores
mais progressistas, promovendo grandes transformações sociais e incluindo
milhões de famílias como consumidoras e tendo acesso às políticas públicas.
Estava surgindo a tal da Nova Classe Média. Isto sem ameaçar a hegemonia conservadora.
A direita não estava sendo ameaçada, ao
contrário, também ganhava muito dinheiro. Até mais do que os milhões de pobres
e da classe média. Isto enquanto a economia mundial vinha crescendo
continuamente. Com a crise econômica de 2008, faltou dinheiro para manter a festa
consumista e os grandes lucros. Acabando com a trégua entre os conservadores e
o povo da América Latina. Sem petróleo e sem commodities os governos
progressistas viram-se sem dinheiro para as políticas de distribuição de renda
com crescimento econômico.
Com a crise econômica, abriu-se a porta para a crise
política e depois a crise social. O Brasil, por ser um país continental, sentiu
mais o impacto da crise das commodities e da frágil sustentação político
parlamentar. Um país com 35 partidos políticos, um governo federal frágil e a
recessão chegando forte, estimulou que a direita se reaglutinasse não em torno
do malufismo, mas em torno do PSDB, que se transformou na Nova Direita
brasileira, representando o neoliberalismo aliado dos Estados Unidos. Faltava o
apoio popular a esta Nova Direita, falta que foi resolvida com o uso intensivo
da guerra da imprensa articulada com o Poder Judiciário e tudo que foi possível aglutinar no vale
tudo.
Passou a ser o Vale Tudo para derrotar o governo e o PT, que
representavam os milhões de incluídos. Esta nova guerra desenvolvida pela
imprensa, o judiciário e a direita articulou-se à guerra internacional
coordenada por setores dos Estados Unidos, a OTAN na Europa e o Japão na Ásia.
Os simpatizantes do PT chamam esta guerra movida pela imprensa e seus aliados
como “a guerra dos golpistas”. Nesta semana de Carnaval, lendo uma tradicional
revista alemã, a Der Spiegel, descobri que, para eles, esta guerra tem nome:
GUERRA HÍBRIDA.
Vou mostrar a seguir algumas informações sobre como esta
guerra híbrida é desenvolvida aqui no Brasil, na América Latina, na Europa e onde
for necessária. A guerra fria deixou de existir formalmente, para renascer como
guerra híbrida, a guerra do vale tudo antes de transformar-se em guerra civil
ou guerra de invasão, como foi no Iraque e em todo Oriente Médio.
Os peritos referem-se
a "guerra híbrida" como uma guerra sem uma declaração formal,
regras ou fronteiras. O beligerante é anônimo, não se identifica e, muitas
vezes opera de forma invisível. Em vez de armas, o combate é feito com
palavras. A Internet é o campo de batalha mais importante. As armas bélicas só
quando necessárias. Primeiro usa-se a desconstrução das representações e da
verdade.
Como diz o ditado, a
verdade é a primeira vítima da guerra.
Especialistas em segurança acreditam que a ampliação de suas
campanhas de propaganda contra o adversário do neoliberalismo nos últimos anos,
tem levado a grandes vitórias, mostrando a importância de manipular a opinião
pública, incitar conflitos e desestabilizar as sociedades. Estes grupos
articulados internacionalmente estão usando truques do manual da agência de
inteligência para conduzir a política. Os "velhos métodos" - desinformação e desestabilização - são
abertamente exibidos.
Estes métodos já eram evidentes a partir da crise do Iraque.
Implantam-se estações de televisão e trolls chamados para espalhar propaganda
sobre as calúnias na internet e elenco na mídia. A propaganda política cai em solo fértil onde há crise econômica e
desemprego, onde a desconfiança dos políticos e da mídia é generalizada.
Muitos acreditam que os meios de comunicação estabelecidos estão desacreditados
e estão retendo a verdade. Os governos viram frágeis estruturas, sem respaldo
social.
Agitando
Ressentimento
A crise econômica, combinada com a crise moral, fornece um
trunfo que é ainda mais adequado para dividir a sociedade. A propaganda mostra o governo como tendo sido infiltrado
por muitos corruptos, tornando-se incapaz de garantir a segurança dos seus
cidadãos. Isto desperta ressentimento contra os políticos que apoiam o governo
além de minar a confiança nas
instituições democráticas e os meios de comunicação que não fizerem parte da
guerra híbrida.
Os Estados Unidos e a OTAN veem isso como necessário para
salvaguardar os seus interesses e de suas empresas. Desde a invasão do Iraque, os
Estados Unidos tem estado na defensiva. O Ocidente ganhou a disputa com a União
Soviética na década de 1990, tanto militar através da expansão para o leste da
OTAN, e em termos de propaganda retratando democracia ocidental como a única
forma atraente de governo. Mas isto não tem sido suficiente para consolidar o
projeto econômico neoliberal no mundo, tornando-se necessária uma campanha
abrangente e estratégica. É como se, para salvar o capitalismo, fosse
necessário impor o neoliberalismo no mundo.
Os peritos referem-se
a essa estratégia como "guerra de híbrida" - guerra sem uma
declaração formal, regras ou fronteiras. O beligerante é anônimo, não se
identifica e, muitas vezes opera de forma invisível. Em vez de armas, o combate
é feito com palavras. A Internet e a imprensa são o campo de batalha mais
importante.
A nova natureza da guerra
de propaganda
Agências de segurança têm alertado há algum tempo que o alvo
é a opinião pública nos países onde for necessário. Os agentes divulgam
notícias e vídeos on-line em Inglês, russo, espanhol, francês e árabe e com
grande eficácia. Estes agentes se articulam no Facebook e nos demais espaços
das Redes Sociais, conseguindo recursos financeiros através de patrocinadores
explícitos ou não. E também há muitos provocadores escondidos fazendo seu dano
na Internet, bem como outras organizações.
As distinções entre a guerra e a paz são cada vez mais sutis,
no século 21. As guerras não são mais declaradas, mas estão simplesmente
começando e, em seguida, já não seguem modelos tradicionais. Como aconteceu nas
Primaveras Árabes e no Leste Europeu, nenhum país está garantido. Como já
vimos, dentro de alguns meses e dias, um país anteriormente estável poderia
tornar-se a arena de um conflito armado amargo e vítima de intervenção
estrangeira.
O exemplo europeu
Tanto a NATO como a União Europeia têm-se concentrado nesta questão
por cerca de um ano. Gabor Iklody está muito familiarizado com ambas as
instituições. De 2011 a 2013, o diplomata de carreira húngaro trabalhou na sede
da NATO em Bruxelas, onde ele se dirigiu "novos
desafios de segurança." Agora, ele lidera a Gestão de Crises e Planejamento
do Serviço Europeu de Ação Externa. Sua equipe, juntamente com outros especialistas
na sede da NATO, tem a tarefa de analisar a nova situação de ameaça. De acordo
com um documento confidencial da NATO, os adversários estão tentando explorar
as vulnerabilidades de cada país.
A OTAN estabeleceu
um Centro de Excelência na capital da Letônia, Riga, onde as estratégias na guerra
de propaganda são analisadas e contramedidas desenvolvidas. O esforço contra as comunicações
estratégicas de Moscou, por exemplo, é chamado de "Stratcom Defesa", mas ainda está em sua infância. O
centro tem apenas cerca de 20 funcionários e está temporariamente alojado num
edifício antigo pátio no centro de Riga.
O aspecto pérfido da estratégia desta guerra híbrida é que por
espalhar tantas mentiras, ela tem um efeito multiplicador imprevisível. Ela
borra as linhas entre o que é real e o que é manipulado. Ao invés de tentar
bater o seu adversário na luta pela verdade, esta guerra híbrida simplesmente
sabota todo o jogo. "A propaganda não coloca para fora uma versão de uma
história, mas muitas, e ao fazê-la polui o domínio da informação", disse
uma fonte da UE. "No final, as pessoas já não acreditam em qualquer
versão" - incluindo a que é verdade.
Esta é uma fraqueza das sociedades democráticas, pluralistas
e populares. Em uma democracia, o Estado organiza os recursos para a verdade
aparecer, em vez de passar exclusivamente sua versão de verdade. O sistema é
baseado na confiança e no poder de persuasão, e é relativamente impotente para
proteger-se contra os abusos. As sociedades democráticas não têm outra escolha
senão continuar a defender a busca da verdade.
xxx
Pois é, esta adaptação a partir do longo artigo publicado na
Der Spiegel abordando “uma guerra híbrida” de Moscou contra a Alemanha, também
pode muito bem servir para a realidade que vivemos na América Latina. Só que
aqui “o urso” tem outro nome... Na verdade, os estrategistas usam os mesmos
manuais de comunicação e de guerra. Isto é muito antigo.
Confesso que fiquei assustado ao ver este tipo de artigo
numa revista tão séria como a Der Spiegel. Pelo menos eu aprendi que este tipo
de guerra que estamos sofrendo aqui no Brasil tem nome e faz parte de uma
grande articulação internacional. Eu já tinha ouvido falar de um tal Instituto Milênio que é orientado pelos
Estados Unidos. Mas aqui a imprensa está fazendo parte da guerra híbrida contra
nós e não priorizando a transparência e a democracia.
A liberdade, a igualdade
e a fraternidade, por enquanto, fazem parte do passado. O presente está mais para
o “salve-se quem puder”.
Para quem quiser ler o artigo original:
A Guerra híbrida: Propaganda Russa em Campanha contra a
Alemanha
http://www.spiegel.de/international/europe/putin-wages-hybrid-war-on-germany-and-west-a-1075483.html
Der Spiegel - 05 de fevereiro de 2016