O Brasil que nós ajudamos a construir está sendo
desconstruído.
Lutar contra a ditadura militar comprometeu a vida de muitas
pessoas. Os artistas e os jovens foram fundamentais neste processo de
redemocratização do Brasil. À sua maneira, Milton Nascimento, Lô Borges e a
Turma da Esquina, também participaram de forma decisiva desta luta contra a
ditadura, meso sendo apenas adolescentes cheios de sonhos e esperanças. Afinal,
eram jovens de Minas Gerais...
Convivemos atualmente com uma imprensa esquizofrênica.
Os
grandes jornais, rádios e TVs, cada vez mais assumem uma postura fascista, mas
ainda preservam uma margem de liberdade e de divergências, principalmente nos
cadernos de Cultura. O Estadão, por exemplo, vem degringolando-se diariamente, assumindo
um papel de panfleto dos golpistas. E estão contaminando o caderno de Economia
e Cultura. Há dois fins de semana que a Folha está bem melhor que o Estadão. Ao
ponto de aumentar a vontade de cancelar a assinatura do Estadão. Mas aí
ajudamos a matar o Caderno 2 e o Aliás...
O Caderno Ilustríssima da Folha de hoje, traz duas matérias
imperdíveis! Uma é de duas páginas centrais sobre a Guerra Civil Espanhola e o
Laboratório Nazista. E a outra é um depoimento de Lô Borges, simplesmente
divino. Digno dos meninos de Minas Gerais...
Deleitem-se! Nem tudo está perdido...
Memórias de Mar Azul - Niterói, 1972
LÔ BORGES - 24/01/2016 02h08 - Folha
Um dia o Bituca –assim chamamos o
Milton Nascimento– me procurou em Belo Horizonte e eu imaginei que ele quisesse
mais uma música para um novo trabalho dele. Tínhamos composto em parceria a
canção "Clube da Esquina nº 1" e ele já tinha gravado outra canção
minha, "Para Lennon e McCartney".
Para minha surpresa, ele me disse:
"Chega de uma música aqui, uma música ali, eu quero é dividir um álbum
duplo com você!". Eu teria que me mudar para o Rio, onde ele passara a
morar, epicentro da cena musical na época. Topei, e chamamos o Beto Guedes para
embarcar nessa. Faltava convencer a minha família, o que não foi fácil: eu
tinha 19 anos, minha mãe queria que eu cursasse uma faculdade, o convite de
Bituca era tido como uma aventura, ainda mais em plena ditadura militar.
Mas deu certo. Chegamos ao Rio e eu
sempre soube que a companhia do Beto Guedes seria essencial. Havia entre nós
uma interlocução musical muito forte, compartilhávamos certa fixação pelos
Beatles. Já a turma do Bituca estava mais ligada na bossa nova, no jazz... Beto
fazia com que eu não me sentisse um estranho no ninho.
Perambulamos por alguns apartamentos na
capital carioca, mas o melhor ainda estava por vir: o empresário do Bituca
alugou uma casa em Mar Azul para que nos concentrássemos nas composições que
integrariam o álbum duplo "Clube da Esquina" (1972).
Mar Azul é uma enseada situada num
canto da praia de Piratininga, em Niterói. Um balneário surpreendente, uma vila
de pescadores bastante rústica então. Eu, Bituca, Beto e Jacaré (primo do
Bituca) nos hospedamos numa casa gigantesca, um sobrado com vários quartos, fincado
na areia, com uma vista linda. Levei meus instrumentos para um quarto que elegi
como meu e passava o dia inteiro compondo. O Bituca, no quarto dele, não
largava o violão.
O Beto ia de um quarto a outro,
acompanhando o que cada um fazia. Ali ele não estava empenhado em compor,
talvez por saber que o "Clube da Esquina" seria um disco centrado nas
composições minhas e do Bituca.
Porém a presença dele foi fundamental,
importância que se manteve quando chegou a hora de gravar: basta pegar a ficha
técnica e ver que o Beto participou ativamente do disco, ele tocou em várias
faixas.
Vivíamos um momento único.
De noitinha, mostrava ao Bituca o que
eu havia composto, ouvia o que ele tinha feito e aprendíamos os temas que iam
nascendo. Claro que dedicávamos alguns dias a simplesmente curtir Mar Azul,
senão teríamos feito um álbum quádruplo!
Lembro-me de acordar cedo e ajudar os
pescadores a recolher a rede na pesca da tainha –um peixinho garantido para o
almoço.
Músicos, letristas, cineastas, amigos e
familiares nos visitavam com frequência. Minha família, muito numerosa, vinda
de Belo Horizonte, chegou a passar uma semana lá; era uma grande alegria.
Uma das vivências mais legais era
quando a gente recebia a visita de um letrista: era uma canção que a gente
ganhava naquele dia. Ronaldo Bastos, por ser niteroiense, era assíduo, e
fizemos "Nuvem Cigana" em Mar Azul. Na verdade, a maioria das músicas
do "Clube da Esquina" foi concebida lá.
Márcio Borges e Fernando Brant vinham
de BH, mal chegavam e saíam fazendo a letra, no mesmo dia uma obra estava
finalizada.
Ficamos mais de quatro meses em Mar
Azul. De vez em quando batia uma saudade "siderúrgica" de Belo
Horizonte. Um apego à terra, ao quadrilátero ferrífero –mineiro tem dessas
coisas.
Ficava dois ou três dias e voltava para
mais um mês na praia –"Um Girassol da Cor de seu Cabelo" compus numa
dessas fugidinhas para Minas.
Entramos em estúdio imediatamente
depois dessa temporada.
Curioso é que o álbum foi feito sem
ensaios. Eram músicos muito competentes –entre eles, a galera do Som
Imaginário, base da banda do disco.
Apresentávamos uma ou duas músicas por
dia, os arranjos eram criados na hora e as gravações aconteciam em seguida. A
febre criativa em Mar Azul marcou a história do Clube da Esquina.
LÔ BORGES, 64, músico mineiro,
autor de "Nuvem Cigana", entre muitas outras canções, participa do
show que comemora os 60 anos de carreira de Alaíde Costa, em parceria inédita,
no Sesc Pompeia na sexta (29).
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