A Folha publica um longo Editorial – De Itamar a Dilma –
sobre a crise política que o Brasil vem passando. Tinha prometido que
publicaria na íntegra um Editorial da Folha que clamasse à moderação e ao bom
senso.
Hoje, o jornal está mais para a moderação do que para
incendiário. No entanto, nada supera o
brilhante artigo e melhor manifesto já publicado até hoje, escrito pelo
lendário jornalista JÂNIO DE FREITAS.
Publicado na própria Folha deste domingo enigmático, já
que coincide com as manifestações de rua e com outra matéria da Folha, na mesma
página que a de Jânio, a Folha foi indelicada com a Rede Globo. Um bom
tema, porém mal abordado. O título da matéria é: Grupo Globo pediu moderação a políticos – Família Marinho
teve reuniões com ministros e líderes de partidos”. Neste artigo sobre os
Marinhos, faltou moderação à Folha.
Parabéns à Folha por publicar o mais brilhante artigo de
Jânio de Freitas.
Em nome da
democracia
As regras existem, precisas e claras na
Constituição, mas o respeito é negado por quem mais deveria fortalecê-las
"Isso
é democracia". Não é, não. Um dos componentes essenciais e inflexíveis da
democracia é o respeito às regras que a instituem. As regras existem no Brasil,
precisas e claras na Constituição, mas o respeito é negado onde e por quem mais
deveria fortalecê-las. O que está sob ataque não é mandato algum, são as regras
da democracia e, portanto, a própria democracia que se vinha construindo.
Não há
disfarce capaz de encobrir o propósito difundido por falsos democratas
instalados no Congresso e em meios de comunicação: reverter a decisão eleitoral
para a Presidência sem respeitar as exigências e regras para tanto fixadas pela
Constituição e pela democracia. Há mais de nove meses, a cada dia surge novo
pretexto em busca de uma brecha –no Congresso, em um dos diferentes tribunais,
nas ruas– na qual enfim prospere o intuito de derrubar o resultado eleitoral.
O regime
democrático é tratado na Constituição como "cláusula pétrea", que se
pretende com solidez granítica. O que não significa ser impossível
transgredi-lo. Mas significa que quem o faça ou tente fazê-lo comete crime. E
quem o comete criminoso é de fato, haja ou não a condenação que assim o defina.
Tal é a condição que muitos ostentam e outros tantos elaboram para si.
A
pregação de parlamentares identificáveis como um núcleo de agitação e
provocação atenta contra a democracia. A excitação de hostilidades que esses
parlamentares propagam pelo país é indução de animosidade antidemocrática –sem
que isso suscite reação alguma, o que é, por si mesmo, indício da precária
condição da democracia e da Constituição.
O que se
passa hoje na Câmara, como método e objetivos da atividade, não é próprio de
Congresso de regime democrático. Em muitos sentidos, restaura a Câmara
controlada e subserviente da ditadura. Em outros aspectos, assume presunções
autoritárias, de típico teor antidemocrático, ao ameaçar até aprovações do
Senado de punitivas suspensões da sua tramitação.
Afinal,
um dos focos da corrupção é arrombado. Os procuradores e juízes do caso
receberam tarefa de importância extraordinária. Mas não é garantido que estejam
plenamente respeitados nessa tarefa os limites das regras democráticas. À parte
condutas funcionais que não cabe considerar neste sobrevoo do momento do país,
é notória no grupo, e dele difundida, uma incitação a ânimos não condizentes
com investigações e justiça na democracia. Pôr-se como salvadores da pátria, a
partir dos quais "o Brasil agora será outro", não é só um equívoco da
ingenuidade. É uma ameaça, senão já algumas práticas, de poderes e atitudes
exacerbados que fogem às regras.
Um
exemplo que recebeu tolerância incompatível com sua importância: difundir
informações inverídicas e sensacionalistas à imprensa, e ao país, "para
estimular mais informantes" –como feito e dito por um procurador–, não é
ético nem democrático. É autopermissão abusiva. E incitação a ânimos públicos
que já recebem das realidades circundantes o bastante para serem exaltados.
O
espírito antidemocrático não é alheio nem ao Supremo Tribunal Federal. É nele
que um juiz pode impedir a conclusão de um julgamento tão significativo como o
financiamento das eleições dos governantes e congressistas. Ou seja, dos que
determinam os destinos do país e de seus mais de 200 milhões habitantes. Se
alguém achar que é deboche, não vale a pena contestar. Mas convém lembrar que é
uma evidência perfeita da prepotência primária, apenas ilusoriamente culta, que
sobreviveu muito bem à ruína do seu sistema escravocrata.
Movimentos
de ocupações urbanas e rurais são acusados de violar a democracia. É engano.
Ilegais, sim, mas não são democráticos nem antidemocráticos. Sequer estão
incluídos na democracia, desprovidos que são, todos os padecentes de grandes
desigualdades econômicas sociais, de meios democráticos para obter os direitos
que a Constituição lhes destina.
E os
jornais, a TV, as revistas, o rádio –na verdade, os jornalistas que os fazem–
nesse país que concebe a democracia como uma bola, tanto a ser chutada sempre,
como a oferecer grandes e efêmeras euforias? Agradeço à sogra de um jogador de futebol,
Rosangela Lyra, que me dispensa de alguns desagrados. Disse ela, à Folha,
das pequenas e iradas manifestações que organiza pela derrubada do resultado da
eleição presidencial: "As redes sociais amplificam e a mídia
quintuplica". Entregou. Delação de dar inveja aos gatunos da Petrobras.
"Isso
é democracia" como slogan de antidemocracia só indica que o Brasil ainda
não é ou já não é democracia.
Artigo de
Jânio de Freitas, publicado na Folha de 16/08/2015.
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