Esqueceram os Negros
Um belo
Caderno Especial comemorando os 460 anos da cidade de São Paulo e os 80 anos da
Universidade de São Paulo.
Duas cartas
do mesmo baralho.
O emblema da cidade diz: "Não sou dirigida. Dirijo."
Já a USP,
foi criada pela elite paulista para consolidar a hegemonia paulista sobre o
Brasil. Vem cumprindo seu papel.
Não foi por
acaso que neste belo caderno do Estadão
NÃO apareceu nenhuma foto ou declaração
de
um aluno, professor ou funcionário NEGRO!
Quando eu
cheguei em São Paulo, em 1970, sempre me perguntava:
Onde estão os negros de São
Paulo?
Eles
continuam sendo “escondidos”…
Já os brancos,
os tucanos e outras etnias, sobram no caderno.
Tirando
este “ato falho”, o caderno é muito interessante, particularmente este ótimo
artigo de Gilles Lapouge, um francês de coração brasileiro. Aproveitem e vejam
as belas declarações de Antonio Candido…
Talvez o maior entre os franceses,
Maügué é quase ignorado
Ele foi uma verdadeira revelação para os
estudantes,
bem mais do que Bastide e Braudel
Estadão - 24 de janeiro de 2014 | 3h 00
Gilles Lapouge
Um
grande sábio francês, o psicólogo Georges Dumas teve papel importante na
criação da USP. Em 1908, ele veio ao Rio para um ciclo de conferências. Cerca
de 30 anos depois, foi encarregado de indicar professores franceses que
participariam da fundação da USP.
Dumas
foi bem sucedido. Os professores recrutados por ele eram jovens desconhecidos.
Seus nomes: Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide ou Pierre
Monbeig. Mas 10 ou 20 anos mais tarde, tornaram-se figuras ilustres.
E
vamos reencontrá-los nas mais altas posições, na Academia Francesa e no Colégio
de França (Collège de France). Lévi-Strauss é o maior etnólogo do seu tempo.
Braudel é um dos pais da "Nova História" e da École des Annales.
Na
nova USP as lições desses homens fascinam. O grande crítico brasileiro Antonio
Cândido rememora: "Braudel era um grande ator. Antes de iniciar uma aula,
costumava dizer: ‘hoje vou lhes descrever a morte de Maria Stuart. Observem.
Eles irão chorar quando lhes disser tal frase’.
Durante
a aula a emoção crescia e, no momento previsto, todo mundo tirava o lenço do
bolso". O grande etnólogo Claude Lévi-Strauss deixou lembranças as mais
diversas. Ele não só escreveu obras capitais, mas também inventou um método, o
"estruturalismo", que continua a fomentar a pesquisa antropológica
mundial.
Por
outro lado, seus cursos eram menos animados do que os de Braudel. Lévi-Strauss
guardava uma certa distância. Sua mecânica intelectual era tão fabulosa que
intimidava os auditórios. Dizia coisas bizarras. Referindo-se a São Paulo,
afirmou: "Pena que São Paulo tenha passado do frescor para a decrepitude
sem se deter na velhice".
O
terceiro "grande" da equipe era o sociólogo Roger Bastide. Eu o
conheci em 1951. Um homem gentil, astuto, inconstante. Falava um português
medonho e, contudo, conhecia perfeitamente a língua falada no Brasil em todos
os seus níveis. Poeta, mais do que teórico, ele penetrou em todos os antros
onde se formava o pensamento religioso do País. Vagou sem destino. Perambulou.
Na
equipe havia também um homem estranho. Ao passo que todos os seus colegas avançaram
no caminho da celebridade, ele permaneceu quase ignorado e, no entanto, foi,
talvez, o maior de todos. Quem ainda lembra de Jean Maugüé? E que obras
escreveu? Nenhuma. Contudo, ele foi uma verdadeira revelação para os
estudantes, bem mais do que Bastide e Braudel.
Eis
o veredito do grande Antonio Cândido: "Jean Maugüé talvez tenha sido o
maior professor que conheci em minha vida: um verdadeiro gênio didático.
Invariavelmente, os 15 minutos iniciais da sua aula de filosofia eram
consagrados a comentários sobre os jornais, sobre os filmes e os romances
brasileiros que acabavam de ser lançados. Ele nos apontava o mundo real. Para o
nosso grupo, o grande mestre era Jean Maügué".
Revelação
fascinante de Antonio Cândido: o verdadeiro gênio da equipe não deixou nenhuma
obra. Um homem que era apenas palavra, gesto e presença. Pertenceria ele a essa
raça rara e preciosa cuja genialidade se exprime pela boca e a língua, pelo
gesto, pela respiração ou o sorriso, e não pelo pergaminho, pela estante ou o
livro impresso?
Se
for o caso, ele está em boa companhia, ao lado de colegas, entre os quais os
mais conhecidos são Jesus Cristo, Sócrates ou Buda.
Sem compará-lo a estes
gigantes, nada nos impede de sonhar que estamos ouvindo aquelas extraordinárias
palavras ressoando pelos anfiteatros da USP nos anos 1930, das quais nenhum
escriba jamais extraiu sua essência e seus mistérios./TRADUÇÃO DE TEREZINHA
MARTINO
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